domingo, 23 de outubro de 2011

CAPÍTULO XVI - A fotografia

Era ele!

Em frente a minha porta e precisando de meus cuidados. Repousei-o sobre minha cama, e enquanto cuidava do ferimento em sua cabeça torcia para que não desmaiasse mais uma vez. Mas o coitado estava desorientado demais. Abria e fechava os olhos em busca da minha salvação, como se pedisse socorro e também, consentimento para, enfim,  descansar.

Fechei seus olhos com minhas mãos para ele descansar. E contemplei seu rosto por alguns instantes. Sua face agora estava limpa, eu havia removido o sangue que tornava seu rosto desconhecido. Ele era bonito como eu pude observar desde a primeira vez, e esta era a primeira vez que eu estava tão pero dele, como quis estar desde o principio. Podia sentir o cheiro de sua pele, não era o cheiro inebriante de sua colônia, e nem de tinta, mas um cheiro de vida! Pude sentir seu suor, seu corpo quente, sua respiração, cada poro de seu corpo agora estava próximo a mim. Controlei minhas mãos e o meu instinto.

Porém algo me chamou a atenção. Em seu pescoço pude ver uma cicatriz. A mesma cicatriz que havia visto há tempos atrás. Uma cicatriz grande profunda.

Imediatamente me afastei do rapaz. Tive medo. Não podia ser o que eu acabara de constatar.

Procurei um velho álbum de fotografias. Folheei até as páginas que queria. E lá estava a foto que eu havia me lembrado. Na fotografia estava eu, ainda muito menina, sentada em um banco de madeira e o cenário de trás era o lindo campo de girassóis que eu costumava ir quando criança. Ao meu lado, no banco de madeira, estava um menino, um pouco mais velho do que eu. Era este menino que tinha uma cicatriz no pescoço, o menino que também passeava no campo dos girassóis.

De repente tudo fez muito sentindo. A imagem que veio em minha mente, a uns dias atrás, de eu correndo pelos campos dos girassóis e um homem deitado sobre o campo, e que eu não sabia se era lembrança ou alucinação se encaixou perfeitamente.

Era ele! E não era alucinação minha. Ele era o menino da cicatriz!

Ele acordou. Eu disse, olhando para ele ainda espantada:

- É você!

Ele ainda parecia um pouco desnorteado, mas eu insisti:

-Era você, no campo dos girassóis! Por isso fez a pintura e colocou no quarto do piano. Porque você desapareceu por tanto tempo?


domingo, 16 de outubro de 2011

CAPÍTULO XV - É você!

– Só sei que és Manuela! Só sei que és Manuela! - Eu gritava pelo quarto, sem que o nome "Manuela" me acalmasse, como sempre acontecia. Na verdade repetir aos berros essa frase me incomodava, mas era preciso berrar.

Aos poucos os berros, foram virando pranto e as minhas lágrimas iam embaçando, não só a minha vista, mas a minha mente.

Eu era um débil, já tinha consciência disso. Eu não estava no meu juízo perfeito, apesar de o meu juízo perfeito, já ser o anormal, o paranormal, o irreal. Mas ali na minha subjetividade surrealista e lúdica eu estaria clamo e não incomodaria os vizinhos com meus berros, como sempre eles me incomodam.

Anulei-me.

O sangue que escorria da minha cabeça se misturou às minhas lágrimas e tornou vermelha a minha visão. Era como andar no inferno!

– Inferno! – gritei, mas o choro não cessava. Eu atingira ali o estágio de choro acumulado que, por mais que eu me acalmasse e me ajuizasse, eu não tinha mais controle da queda d'água em meus olhos.

Sufocado pelo meu total descontrole, eu parti pela porta à fora, farejando um perfume doce qualquer que, por ventura, me surgisse ao olfato na tentativa de encontrar o quarto dela. Não foi preciso. No chão ela havia deixado cair contas de miçangas que me guiavam pelos corredores e pelas escadas. Não parei para prestar a atenção no caminho que fazia nem nos números dos quartos, apenas respirei fundo no instante em que as miçangas se acabaram, frente a uma das portas do casarão.

“Não vou desmaiar!”, a essa hora eu pensava como se fosse um mantra. Bati a porta uma vez e pouco depois lá estava ela. A me olhar com estranheza.

E antes que eu pudesse razoar qualquer palavra as frases saíram feitas de minha boca:

­– Não sei quem sou, só sei que preciso de sua ajuda!

Ela me pegou pela mão e me pôs para dentro de seu quarto; deitou-me em sua cama – macia como se feita de nuvens, não como a minha cama com as palhas a saltarem para fora do colchão – e sem me dizer nada se pôs a limpar o ferimento em minha cabeça.

Uma sonolência, aos poucos, me tomava em seus braços, até que adormeci.

Sonhei que não havia cores no mundo e eu não tinha vontade alguma de pintar qualquer quadro... eu era apenas um som...

Acordei.

Ela ainda estava lá me olhando e folheando um álbum velho de fotos.

Eu não sabia o que esperar, minha experiência com pessoas era muito pequena... Ao que me recordava, somente com meu pai troquei mais do que cinco – menos do que dez – palavras!

Mas, quando pensei em começar um diálogo agradecendo por ela ter cuidado de mim com tal zelo, ela olhou incrédula para uma foto do álbum que via e mirou-me os seus fustigantes olhos com firmeza e disse em tom assustado:

– É você!

sábado, 1 de outubro de 2011

CAPÍTULO XIV- De volta ao segundo andar

Eu sabia o andar que o pintor deveria morar. A outra noite que o seguira ele foi até o segundo andar, então era lá que eu deveria retornar.

A lembrança do amante de Dellas, a moldura que ele confiou aos cuidados dela e a frase, escrita nela, sendo as mesmas palavras saídas da boca do pintor durante sua alucinação. Já não me restava dúvidas de que tudo estava relacionado. E este homem tão misterioso que há dias cruzava meu caminho, eu agora, mais do que nunca, queria saber quem era.

Fui até o segundo andar, bati em cada porta, todas se abriram para mim e seus respectivos moradores me perguntavam por que eu incomodava. Ao fim da minha busca incessante e, na esperança de a cada porta encontrar com o pintor, me deparei com pequenas gotas de sangue pelo chão do corredor, elas me levavam, como uma trilha, até a porta de número 215, era a única que eu ainda não havia batido. Só podia ser ele e deveria estar ferido pela queda no quarto.

Bati por algumas vezes, não obtive resposta. Mais uma vez ele deveria estar com medo de me encarar. Voltei ao meu quarto e procurei lápis e papel e escrevi para ele. Novamente no segundo andar empurrei o bilhete por baixo da porta. E voltei ao meu quarto, mais uma vez decepcionada.

Será que ele estava muito ferido? Teria desmaiado novamente? De repente uma aflição tomou conta de mim. A razão dele não ter me atendido não era simples receio, mas algo de mais grave podia ter acontecido a ele. A imagem dele desacordado no chão coberto de sangue me deixou em pânico. Ele poderia estar morto!

A porta do meu quarto bateu forte fazendo todo meu corpo tremer. Não hesitei nem por um segundo e a abri. Era ele. Com as mesmas roupas elegantes da noite anterior, porém sujas de sangue. Seu rosto também estava sujo e o ferimento ainda deveria estar aberto, em suas mãos trazia meu bilhete. Ele me disse apenas:

– Não sei quem sou só sei que preciso de sua ajuda!