A moldura de ouro
domingo, 23 de outubro de 2011
CAPÍTULO XVI - A fotografia
domingo, 16 de outubro de 2011
CAPÍTULO XV - É você!
– Só sei que és Manuela! Só sei que és Manuela! - Eu gritava pelo quarto, sem que o nome "Manuela" me acalmasse, como sempre acontecia. Na verdade repetir aos berros essa frase me incomodava, mas era preciso berrar.
Aos poucos os berros, foram virando pranto e as minhas lágrimas iam embaçando, não só a minha vista, mas a minha mente.
Eu era um débil, já tinha consciência disso. Eu não estava no meu juízo perfeito, apesar de o meu juízo perfeito, já ser o anormal, o paranormal, o irreal. Mas ali na minha subjetividade surrealista e lúdica eu estaria clamo e não incomodaria os vizinhos com meus berros, como sempre eles me incomodam.
Anulei-me.
O sangue que escorria da minha cabeça se misturou às minhas lágrimas e tornou vermelha a minha visão. Era como andar no inferno!
– Inferno! – gritei, mas o choro não cessava. Eu atingira ali o estágio de choro acumulado que, por mais que eu me acalmasse e me ajuizasse, eu não tinha mais controle da queda d'água em meus olhos.
Sufocado pelo meu total descontrole, eu parti pela porta à fora, farejando um perfume doce qualquer que, por ventura, me surgisse ao olfato na tentativa de encontrar o quarto dela. Não foi preciso. No chão ela havia deixado cair contas de miçangas que me guiavam pelos corredores e pelas escadas. Não parei para prestar a atenção no caminho que fazia nem nos números dos quartos, apenas respirei fundo no instante em que as miçangas se acabaram, frente a uma das portas do casarão.
“Não vou desmaiar!”, a essa hora eu pensava como se fosse um mantra. Bati a porta uma vez e pouco depois lá estava ela. A me olhar com estranheza.
E antes que eu pudesse razoar qualquer palavra as frases saíram feitas de minha boca:
– Não sei quem sou, só sei que preciso de sua ajuda!
Ela me pegou pela mão e me pôs para dentro de seu quarto; deitou-me em sua cama – macia como se feita de nuvens, não como a minha cama com as palhas a saltarem para fora do colchão – e sem me dizer nada se pôs a limpar o ferimento em minha cabeça.
Uma sonolência, aos poucos, me tomava em seus braços, até que adormeci.
Sonhei que não havia cores no mundo e eu não tinha vontade alguma de pintar qualquer quadro... eu era apenas um som...
Acordei.
Ela ainda estava lá me olhando e folheando um álbum velho de fotos.
Eu não sabia o que esperar, minha experiência com pessoas era muito pequena... Ao que me recordava, somente com meu pai troquei mais do que cinco – menos do que dez – palavras!
Mas, quando pensei em começar um diálogo agradecendo por ela ter cuidado de mim com tal zelo, ela olhou incrédula para uma foto do álbum que via e mirou-me os seus fustigantes olhos com firmeza e disse em tom assustado:
– É você!
sábado, 1 de outubro de 2011
CAPÍTULO XIV- De volta ao segundo andar
Eu sabia o andar que o pintor deveria morar. A outra noite que o seguira ele foi até o segundo andar, então era lá que eu deveria retornar.
A lembrança do amante de Dellas, a moldura que ele confiou aos cuidados dela e a frase, escrita nela, sendo as mesmas palavras saídas da boca do pintor durante sua alucinação. Já não me restava dúvidas de que tudo estava relacionado. E este homem tão misterioso que há dias cruzava meu caminho, eu agora, mais do que nunca, queria saber quem era.
Fui até o segundo andar, bati em cada porta, todas se abriram para mim e seus respectivos moradores me perguntavam por que eu incomodava. Ao fim da minha busca incessante e, na esperança de a cada porta encontrar com o pintor, me deparei com pequenas gotas de sangue pelo chão do corredor, elas me levavam, como uma trilha, até a porta de número 215, era a única que eu ainda não havia batido. Só podia ser ele e deveria estar ferido pela queda no quarto.
Bati por algumas vezes, não obtive resposta. Mais uma vez ele deveria estar com medo de me encarar. Voltei ao meu quarto e procurei lápis e papel e escrevi para ele. Novamente no segundo andar empurrei o bilhete por baixo da porta. E voltei ao meu quarto, mais uma vez decepcionada.
Será que ele estava muito ferido? Teria desmaiado novamente? De repente uma aflição tomou conta de mim. A razão dele não ter me atendido não era simples receio, mas algo de mais grave podia ter acontecido a ele. A imagem dele desacordado no chão coberto de sangue me deixou em pânico. Ele poderia estar morto!
A porta do meu quarto bateu forte fazendo todo meu corpo tremer. Não hesitei nem por um segundo e a abri. Era ele. Com as mesmas roupas elegantes da noite anterior, porém sujas de sangue. Seu rosto também estava sujo e o ferimento ainda deveria estar aberto, em suas mãos trazia meu bilhete. Ele me disse apenas:
– Não sei quem sou só sei que preciso de sua ajuda!
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
CAPÍTULO XIII - Quem é você?
“Ela veio”, pensei. Somente mãos tão perfeitas e delicadas quanto às dela seriam capazes de tirar esse som da madeira velha de minha porta.
Aos saltos fui até a porta e esperei que batesse novamente, mas a porta não voltou bater, porém quem quer que seja, e teimo que era ela, empurrou um bilhete por debaixo da porta.
Abri o bilhete, mas para o meu espanto, nele nada havia escrito, somente uma grande mancha de sangue nele se afigurava. E, como que decifrando os códigos artísticos daquela mancha de sangue, fruí da arte outorgada àquele borrão supostamente aleatório para poder entender do que se tratava.
Peguei o bilhete com o sangue ainda vivo e o cheirei, deixando-me sujar com o liquido viscoso que tingira aquele pedaço de papel. Nadei em veias e cachoeiras de sangue salpicavam em minha mente sem, de forma alguma, me trazerem qualquer mensagem ou o rosto de qualquer alguém.
Criando um súbito nojo me desfiz daquele papel grosseiro e sujo e fui correndo à minha bacia de lavanda para limpar meu rosto daquele sangue. Mas quando me abaixei para limpar o rosto refletido no fundo da bacia estava eu, com uma palavra estranha escrita em sangue em minha testa. Lia-se a palavra “ocuol” sem dificuldades.
Devia ser coisa desses visinhos de merda que tenho. Esses moleques durante um tempo me infernizaram a vida com suas brincadeirinhas. Sempre fui taxado de louco pelas almas errantes desse casarão. Porém, me ocorreu que, desta vez eu mesmo havia escrito em minha testa na loucura da minha fruição artística essa palavra.
Minha cabeça repentinamente começou a esquentar ao que parecia ser aos embalos dos acontecimentos, mas entender tudo o que eu estava vivendo ficou ainda mais difícil, quando percebi que a minha cabeça esquentava com o jorrar de meu sangue por uma ferida que se abriu na queda que tive ao desmaiar no quarto do piano e que aquele bilhete estava manchado com o meu próprio sangue.
Limpei o bilhete e li sua pequena mensagem em letra desenhada que dizia: “Quem é você?”.
“Não sei quem sou!“, constatei respondendo. E uma frustração tomou conta de mim, pois eu tinha certeza de que Manuela teria a chave para o meu mistério. Algo muito forte do meu passado apagado me ligava a ela.
“Não sei quem sou!”... “Só sei que és Manuela!”.
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
CAPÍTULO XII- A moldura vazia
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
CAPÍTULO XI - As batidas na porta
Aos poucos, fui me levantando do chão, catando os cacos de alma que me restavam enquanto ouvia os passos de Manuela se distanciarem e ao me restabelecer por completo, me senti ridículo vestido de mim mesmo e retornei ao meu quarto avesso àquela confiança que tive ao sair em busca das notas delicadas do piano.
Por que aquela moça me encanta tanto? Por que era para ela que eu ia sempre que agia por instinto? Eu não sabia responder a essas minhas questões, mas sabia que ela era importante para mim e que essas respostas estavam escondidas em mim em algum lugar secreto.
Eu queria viver! Pela primeira vez, eu queria viver o risco da realidade! Eu queria viver Manuela! Mas sempre que eu chagava perto dela eu apagava, como um bebe após a comida. E entorpecido por esses sentimentos, comecei a pintar um novo quadro.
O vicio da rotina de solidão ressurgira.
Eram os meus passos pelos corredores da casa, indo em direção ao quarto do piano e quando entrei no quarto não vi Manuela, mas sim, uma senhora a tocar ao piano aquela mesma musica que Manuela me dedicara.
Desesperei-me. Até mesmo nos meus devaneios eu não seria capaz de encontrar Manuela, mas a senhora apenas parou de tocar o piano e, com os olhos de acalmar, me apontou para um espelho que estava atrás de mim.
Virei-me para olhá-lo e tive outra surpresa. Não só Manuela era outra pessoa, como eu também não era eu. Eu era o meu pai.
Despertei do transe e à minha frente estava o quadro que eu tinha acabado de pintar: meu pai num espelho de corpo inteiro.
Nada daquele transe ou daquele quadro fazia sentido, até eu me recordar de algo que eu tinha apagado quando meu pai faleceu. Meu pai havia tido um curto relacionamento com a senhora Dellas que morava exatamente no quarto do piano. Mas no que isso dizia respeito a Manuela e a mim?
Meu coração batia acelerado com a eminência de um segredo mal apagado, prestes a ser desvendado, até que ele parou subitamente com alguém que batia suavemente à minha porta.