quarta-feira, 21 de setembro de 2011

CAPÍTULO XII- A moldura vazia

A sala novamente estava vazia de vida, sobraram apenas o frio e a penumbra do quarto. O homem espaçou mais uma vez pelos meus dedos, e com ele escaparam algumas peças de um passado que eu tenho embaralhado na minha mente.
Olhei o canto da sala e vi o quadro em amarelo que ele havia colocado lá, o campo dos girassóis. Eu não sabia como a minha imagem, ainda garota, havia sido colorida naquele quadro, assim como não sabia como o homem estava na minha lembrança, já que ela poderia ser apenas fruto da minha alucinação, mas aquele quadro era a prova de que ainda poderia haver algum resquício de realidade.
Com meu olhar perdido naquele quadro em amarelo fui me recordando de um amigo da senhora Dellas, que por algumas vezes apareceu por aqui. Lembro-me dele entrando pela porta sempre trazendo embrulhos para a velha pianista.

Era um homem grande, com uma cabeleira prateada, e barbas por fazer. Eu costumava associar sua figura a um velho capitão do mar, um pirata! Mas Dellas dizia que ele era um velho combatente de guerra, o que não deixava de ser instigante, para minha imaginação de menina.
Das poucas vezes que o vi no quarto da senhora Dellas, sempre se mostrou um homem gentil e faceto, arrancava boas risadas dela, e ao lado dele ela se tornava, aos meus olhos, uma mulher mais bonita apesar de sua idade. Ela me confidenciou uma vez que ele era o grande amor de sua vida. E com uma tristeza solitária no olhar ela me contou que nunca pôde tê-lo por inteiro.
A última vez que ele visitou Dellas trazia em suas mãos um embrulho em formato quadrado. Entrou sorrateiro e sem anuncio como sempre costumava fazer.
- Meu querido, faz tanto tempo que não tenho notícias suas. Quanta saudade!- correu Dellas aos seus braços, ignorando por completo que eu estava na sala tendo mais uma das aulas de piano.
O homem estava mais magro e abatido, parecia um velho marujo abatido por uma forte correnteza do mar.
- Estamos em tempos difíceis, os conflitos andam se intensificando pelas cidades, talvez não estejas mais em segurança por aqui. Ora, mas veja a menina!- ele me olhou no banco do piano, eu havia crescido um pouco, não era mais a menina que ele havia visto da ultima vez- Está se tornando uma bela moça!
Dellas continuou a ignorar-me, sua atenção era só dele.
- Meu querido, não se preocupe comigo, você sempre foi tão atencioso- derretia-se ela beijando as mãos brutas e cheias de marca do ex-combatente.
- Dellas, talvez eu não possa voltar tão cedo aqui! Mas eu vim até aqui hoje para lhe perdi que guarde em segurança algo de muito valor para mim, e que não está mais em segurança em minha posse.
Ele entregou a Dellas o embrulho. Ela desempacotou-o, e eu pude ver apenas de costas que se tratava de um quadro, e a moldura era a que eu havia encontrado no meu baú. E ao ver a imagem que estava nela, vi o semblante de Dellas, e ele revelava um misto de espanto e deslumbramento.
- Guarde como se guardasse suas jóias- ele ordenou- Um dia, quando tudo estiver mais calmo, eu voltarei para buscá-lo.

Um ano depois daquela visita Dellas partia, seus pertences foram levados para Espanha por um filho que veio buscar o corpo dela. Antes de sua chegada roubei alguns pertences para me recordar de minha professora de piano, atrás de seu armário estava a moldura que o Capitão pediu para ela guardar em segurança. Atrás do armário estava apenas a moldura, a tela havia desaparecido.

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