A luz do sol e o burburinho indo pelos corredores entraram pelas frestas das janelas e pela fechadura do meu quarto. Meu quarto ficava no terceiro andar do casarão e era propositalmente escuro, para que eu enxergasse pouco os rostos que entravam e saiam de lá todas as noites. Eu o decorei com velhas relíquias dos antigos donos da casa, nada muito valioso, tudo que poderia ter algum valor já foi vendido. A penteadeira ficava em frente a cama, e é onde eu conservava algumas jóias que roubei do quarto da Senhora Dellas antes de seu corpo e seus pertences voltarem para Espanha. Só sobrou o piano, porque não tiveram como levar, as partituras e as jóias que tomei, sem consentimento, de herança.
Acordei um pouco denorteada pela noite anterior. Caminhei até a mesinha onde tem sempre a postos um conhaque para começar bem o dia. Sentei-me e não conseguia esquecer a noite anterior e aquele homem a me encarar como se me conhecesse desde sempre.
Eu estava dividida por várias sensações, a curiosidade em saber quem ele era me consumia, a incerteza se o veria novamente me assombrava, a emoção ao lembrar de seu sorriso me paralisava. Eram tantos os sentimentos dentro de mim que eu quase podia ter a sensação física de que eles sairiam pela minha boca.
Peguei no bolso do meu vestido, que estava sobre a cama, o guardanapo com cheiro de vinho. Dois pares de jarro de vinho estavam desenhados sobre ele, eu não havia reparado nesse detalhe na noite de ontem, talvez pela pouca luz,.Eu só consegui sentir o cheiro do vinho, e ele ainda era forte. Aquele cheiro entrava no fundo da minha da minha alma e me arrepiava a espinha.
Reparei que o desenho dos jarros eram muito bem feitos, perfeitos! Devia ser à mão de um artista.
Na confusão de memórias da noite anterior, uma outra lembrança chegou até mim. Uma lembrança de um tempo atrás e que eu não me recordava a muito.
Lembrei-me do campo dos girassóis. Era um lugar que me levavam quando criança, e eu amava os girassóis. Era tudo tão amarelo e vivo e eu podia correr e ser livre de um jeito que nunca fui nesta casa. Os girassóis giravam todos ao meu redor, me seguiam para o lado que eu fosse e até se esqueciam de olhar para o sol.
Mas dessa vez na minha corrida veloz pelos campos do girassóis vi um homem deitado, descansando sobre o campo, não pude ver seu rosto apenas seu corpo repousado. Eu sabia que nunca antes, nos arquivos de minha memória, havia lembrado da imagem de um homem sobre os girassóis.
A barulheira pelos corredores se calou, saí do quarto e tomei a escada de serviço e subi até o último andar.
Uma vontade de tocar o piano havia me tomado por completo. Quando cheguei ao quarto do piano, o que vi ao lado dele me encheu de todo pavor que eu jamais pude sentir em toda minha vida.
Estava lá um quadro em uma bela moldura. E nele havia a imagem de uma garotinha a correr por um lindo, vivo e amarelo campo de girassóis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário