Esse era o nome dela. Só podia ser o nome dela. Nada parecia mais com ela do que o nome "Manuela".
Eu repeti esse nome, como um mantra, diversas vezes deitado em minha cama, enquanto todos os outros quadros do quarto me vigiavam e me puniam pela aventura da noite passada. Eu não podia falhar com a minha lealdade comigo e a minha coerência interna. Mas eu fiz. Falhei!
"Como eu pude sair de meu casulo para me tornar visível a outra pessoa?... Manuela! Como respirei o ar úmido do casarão com tanta vontade, como se tudo fosse um quadro meu? ... Manuela! Como? ... Manuela!".
Eu era agora um desajustado perante a cela da rotina. Não conseguia mais me ver igualmente recluso dentro da minha própria arte como antes. Ao menos não enquanto eu soletrava e cantava as sílabas desse nome "salvador".
Tentei me recordar o que se havia passado entre nós e o porquê de tudo ficar nebuloso quando ela começou a tocar o piano o que haveria acontecido entre a imagem dela a se desfigurar em borrão e eu a acordar em minha cama?
Forçar-me a lembrar de coisas apagadas da memória foi em vão, só me deu uma dor de cabeça que se curou ao repetir novamente o nome anotado no verso do quadro. Resolvi pintá-lo e em uma pequena tela, das que eu usava como rascunho, com tinta amarela, eu pintei o inebriante nome "Manuela".
Fechei bem os olhos, respirei fundo e quando os abri novamente eu estava deitado num campo de girassóis e uma menina corria em direção com o seu vestido amarelo, ao sol que se punha. A impressão que eu tinha era que os girassóis todos a miravam ao invés de mirarem o sol. E quando corri em direção a garota ela desapareceu.
Abri os olhos e lá estava eu, no meu quarto com uma tela nova: campo imenso de girassóis que fitavam o sol se por e uma menina de vestido amarelo a correr descalça.
O nome permanecia na minha mente, mas eu resolvi calar a voz dos meus pensamentos que insistiam em voar para aquele exato momento ao piano do último andar.
Manuela agora corria menina no campo de girassóis e ali, presa ao quadro, eu a entendia e a continha para sempre, como a todas as outras. E então, passou o meu devaneio e a minha ressaca desesperada de vontade de novos tragos. Voltei a ser o conformado pintor de vidas sem vida.
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